sábado, 7 de julho de 2007

Finitudes...

É comum que o cinema traga pra mim algumas reflexões interessantes, ainda que alguns não sejam filmes necessariamente aplaudidos pelos críticos. Foi o que aconteceu quando assisti ao filme “Outono em Nova Iorque”, dirigido por Joan Chen, que conta a história do romance de Will e Charlotte (vividos pelos atores Richard Gere e Winona Ryder). Pra não contar muito e estragar a surpresa de quem não viu, só um pequeno enquadramento: Charlotte é uma moça de vinte e poucos anos com uma doença grave, sem perspectiva de tratamento, restando-lhe pouco tempo de vida. Will, dono de um restaurante e muito bem sucedido, é um homem conquistador em seus quase 50 anos e um tanto... digamos "cafajeste", pelo menos no início do filme.

No desenrolar do filme, podemos perceber a grande e legítima dificuldade de Will em conseguir se entregar a uma relação com prazo de validade, já que era sabido que Charlotte morreria. Digo que a dificuldade é legítima porque, de fato, não é nada fácil nos depararmos com finitudes. Por mais que saibamos que nada, ou quase nada na vida dura para sempre, precisamos acreditar que será eterno, ou que, no mínimo, durará um bom tempo. Por exemplo, quem iniciaria um negócio sabendo que vai falir? Quem é que se casa, sabendo que vai haver uma separação? Pelo mesmo raciocínio, quem é que vive sabendo que um dia morrerá?

Na vida real, não é bem assim que acontece, porque (obrigada, Senhor!) não temos bola de cristal e não podemos prever o futuro, por mais que muitas vezes ele possa ser dedutível. Na vida real, iniciamos negócios, nos casamos e vivemos, mesmo que muitas vezes o nosso investimento seja passageiro - e nem por isso o investimento tem menos importância!

E o que acontece no caso da relação de Will e Charlotte, que possuíam uma “bola de cristal”, sabendo ambos que Charlotte morreria em breve? Esses são casos em que nos deparamos bem de frente com a finitude das coisas, e conseqüentemente com a nossa própria finitude. Charlotte, que provavelmente já tivera muito tempo para se revoltar, para tentar fingir que não está doente, ou outras tentativas de afastar a doença de seus pensamentos, já conseguia lidar com sua própria finitude de maneira natural, vivia para saborear cada momento. Will (ele é cheff de cozinha, estava ali para dar o sabor aos momentos de Charlotte...) ainda não conseguia lidar com a finitude e tenta “matar” de forma quase consciente a relação dos dois. Will parece compreender o ciclo da vida e aceitar a presença de Charlotte somente com a entrada em sua vida de sua filha grávida, como se ela fosse a alegoria de um recomeço da vida.

Acho que considero a dificuldade de Will com seu relacionamento bastante legítima também porque me lembrar uma relação que eu mesma vivi que eu sabia exatamente quando terminaria: minha terapia! Quando iniciei, fazia faculdade em Ribeirão Preto, cidade em que não pretendia permanecer após o término da graduação. Portanto, sabia que ao me formar, teria de encerrar a terapia. E como foi difícil me envolver em uma relação que já iniciava sabidamente finita. Minha última sessão foi no dia de minha colação de grau, e com certeza foi essa a sessão mais emocionante pra mim, era o momento da morte de um relacionamento! Não que o período de terapia não me traga bons frutos ainda hoje, e não que a terapia e a minha terapeuta não sobrevivam aqui dentro de mim, mas era o término de uma relação real, o fim dos nossos encontros!

Voltando ao filme, considero que o que ele me trouxe de reflexão mais rica é a importância de começarmos a pensar desde cedo sobre os fins, ter ciência de que praticamente tudo em nossa vida – até ela própria – tem um fim. Vale a pena que continuemos vivendo, abrindo negócios, casando e nos envolvendo em relações que terminarão. Aquilo que vivemos, aprendemos, sentimos não morre, continua vivo dentro de nós, e passa fazer parte daquilo que somos. Somos uma soma de momentos, de memórias e de sentimentos!